Ética e democracia são temas centrais no quarto dia da Semana de Abertura PPGICS 2023

Os professores e pesquisadores Maria Nélida Gonzalez de Gómez (UFF) e Fábio Reis Mota (UFF), mediados por Bruna Fonseca (PPGICS), trouxeram para o último dia de debates da Semana de Abertura do PPGICS 2023 uma conversa urgente e necessária sobre “Ética na pesquisa e consolidação da democracia”.

Nélida Gonzalez de Gómez propôs que se começasse o encontro pensando sobre questões gerais e especificidades da área de saúde relacionadas à qualificação ética da pesquisa. Para ela, é importante destacar o que reconhecemos coletivamente como integridade da pesquisa, que pode ser prejudicada e aviltada por violações das normas gerais de veracidade, de busca da verdade, de controles epistêmicos da pesquisa: “Isso quebra normas gerais normativas. A falsificação e o plágio, por exemplo, afrontam as produções de um conhecimento científico verificável, reproduzível, transmissível e democraticamente aberto às críticas e às demandas de destinação”. Além disso, a professora destaca outras questões, na ordem do discurso e das práticas sociais, que podem também reverberar na prática da ciência: Os preconceitos, racismo e etarismo, por exemplo, afetam qualquer atividade humana e, por isso, também podem afetar as atividades éticas e democráticas da pesquisa”.

Nélida também se propõe a refletir e debater sobre os sistemas de avaliação nas universidades, que são também sistema reguladores, necessários para controlar e melhorar as pesquisas, mas que podem promover exclusão de práticas e saberes: “A avaliação científica ajuda a manter o marco normativo geral das atividades de pesquisas e é muito forte porque envolve diretamente o sistema distributivo de recursos. Esse sistema de governança afeta, inclusive, a discussão de maneiras alternativas de se atribuir legitimidade e valor de uma produção científica”. Ela cita o exemplo da priorização de grandes bases de dados internacionais na produção e publicação de pesquisas, o que exclui muitas produções acadêmicas e científicas, principalmente dos países do sul global.

Em sua fala, Fábio Reis ressaltou que a governança pela norma é uma realidade que se tornou internacional e que isso reverbera em nosso fazer científico. Para ele, há questões positivas, necessárias e algumas críticas relacionadas à formalização, padronização e normatização dos processos gerais e de pesquisa: “A ideia e a prática da democracia perpassam a constituição de instituições e estruturas formuladas em quadros específicos que se reconfiguram em determinadas épocas e contextos, principalmente, na Europa Ocidental e na América do Norte. Nós adotamos e adaptamos, em parte, para nossa realidade. Há também um predomínio de outras questões, por exemplo, a ética e a racionalidade da bioética são estranhas às ciências sociais e humanas. Dessa forma, temos que reafirmar a crítica e a discussão sobre imperialismos epistemológicos e promover intercâmbios que visem à equidade de saberes”.

O debate envolveu os parâmetros e as plataformas do Sistema CEP/Conep, formado pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), instância máxima de avaliação ética em protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, e pelos CEPs (Comitês de Ética em Pesquisa), instâncias regionais dispostas em todo território brasileiro.

Para os palestrantes, há ainda muitas críticas, que se pretendem construtivas, sobre diferença de olhares e molduras relacionadas a saberes que envolvem esse tipo de pesquisa. Para Fábio, a área de Ciências Sociais e Humanas acaba prejudicada por uma série de requisitos baseada na área biomédica: “Nós fazemos pesquisa com humanos e não em humanos. Além disso, as ciências biomédicas são protocolares, valem no mundo. Nós trabalhamos com vocabulários e conceitos que, muitas vezes, não têm tradução e, assim, não se propõem universais. Outra questão envolvem a previsão e determinação do que se vai pesquisar: "Por exemplo, se eu soubesse o que previamente irei observar na pesquisa em grupos, não faria etnografia!”.

Fábio, entretanto, destaca que o CEP é importante ponto de apoio, tanto pelo aspecto pedagógico como pelo colaborativo, porque se propõe a apontar riscos, questões e desafios necessários para que a pesquisa cresça e não prejudique o pesquisador e aqueles que serão voluntários na pesquisa: "Parte da dimensão ética é respeitar espaços, vivências e devolver resultados e observações para todos que dela fazem parte. O CEP não é punitivo e, mesmo envolvido com normas e burocracias, tem como ponto principal a valorização da vida humana”.

Na parte final da mesa, Igor Sacramento, coordenador do Programa, e Kizi Araujo, coordenadora adjunta, se uniram a demais pesquisadores, pesquisadoras, docentes, alunas e alunos para contribuirem com as reflexões sobre o tema. Parte da discussão final envolveu o distanciamento entre o incentivo à imaginação e à criatividade sociológica no desenvolvimento de projetos de pesquisa na área de ciências sociais e os protocolos exigidos pelo CEP para pesquisas que envolvem seres humanos. Fábio comentou sobre o distanciamento, em nossa cultura, entre norma e prática, e o quanto levamos isso para diferentes espaços de sociabilidade. “Além disso, atualmente, vivemos um grande curto-circuito cognitivo, que se generalizou e produziu uma racionalidade cismática, que leva diferentes pessoas a filtrar a informação pelo que já sabe, anulando o diálogo com o divergente. Isso produz uma ruptura comunicativa”. Para ele, agora, é preciso, antes de reformar o sistema, reformar as pessoas. Para Nélida, se torna fundamental aprofundar para transformar: “Os pesquisadores precisam lembrar que as possibilidades são muito grandes e o que falta conhecer é enorme. Os regimes de inteligibilidade, que exteriorizam produções de sentidos, a platamorfização de discursos e as ontologias políticas devem observar e buscar a mudança nas produções de saberes Dessa forma, podemos ressignificar a maneira como estabelecemos vínculos e nos relacionamos como a produção de conhecimento e a ideia da democracia. A Comunicação pode nos ajudar muito nessa relação com a informação e a saúde”.

Maria Nélida Gonzalez de Gómez, graduada em Filosofia pela Universidad Nacional de Rosario, Argentina, é mestre e doutora em Ciência da Informação pela UFRJ. Pesquisadora Titular  e docente permanente do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/UFRJ), foi professora Visitante Sênior da UFF e atua como avaliadora externa em cursos de pós-graduação e graduação da área, e em Jornadas de Iniciação Científica. É membro de Comitês Editoriais e/ou parecerista de revistas científicas das áreas de Ciências da Informação, bem como de agências avaliadoras de fomento. Tem como principais áreas de pesquisa filosofia da informação, questões epistemológicas, éticas e políticas da informação, além de ação e regimes de informação.

Fábio Reis Mota é graduado em Ciências Sociais pela UFF, com mestrado e doutorado em Antropologia pela mesma universidade. Realizou estágio de doutorado-sanduíche na Université de Paris X (atualmente, Universidade Paris Nanterre). É professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFF, coordenador do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisa (NUFEP/UFF) e Pesquisador do Instituo Nacional de Administração Institucional de Conflitos (Ineac/UFF). Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Jurídica e Politica. Suas pesquisas estão voltadas para a análise dos processos de demandas de direitos e reconhecimento a partir de reivindicações de "identidades diferenciadas" por meio de uma abordagem comparativa.

Para assistir a mesa integralmente e se aprofundar ainda mais no debate sobre "Ética em pesquisa e consolidação da democracia", acesse o link: https://youtube.com/live/-sA8K-jwdmw?feature=share

Data de publicação
1 year 8 months atrás