"É possível construir uma sociedade de direitos, justa e solidária, com afetos de inclusão, solidariedade e pluralidade? O que podemos fazer para construir uma sociedade assim, democrática?" Essas perguntas, propostas como reflexão para alunos, alunas, docentes, pesquisadores e pesquisadoras por Lúcia Souto, diretora executiva do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), permearam todo o debate sobre "Os impactos da desinformação na saúde pública".
Ao lado de Lúcia Souto, Marcelo Alves (PUC-Rio) e José Noronha (PPGICS) envolveram todos os presentes com temas e questões que, mais do que confirmarem conceitos e análises, propuseram questões que indagaram, todo o tempo, como aferir o que há de comum em uma sociedade que se propõe a construir e desenvolver projetos coletivos, a exemplo do SUS.
Marcelo Alves foi o primeiro falar. Contextualizou reflexões sobre conceitos, práticas e reflexões relacionadas à comunicação e à desinformação nas mídias digitais. Para ele, o fenômeno da desinformação é extremamente desafiador do ponto de vista empírico e nas relações que conceitos como esse, como o de bolhas e de redes sociais são tratados como consensos pela imprensa e não devem ser assumidos como dados determinados e determinantes por pesquisadores, mas como questões: "Eu, por exemplo, tenho dificuldades em trabalhar o Instagram como rede social, assim como o TikTok. Para mim, trata-se de gestão algorítmica da visibilidade". A tecnologia é importante fator, mas, além disso, é fundamental investigar a apropriação das estruturas digitais para organizar arquitetura de desinformações com interface em diferentes plataformas e sites com a intenção de multiplicar histórias fabricadas e amplificar seu alcance, mas também dificultar os processos de moderação de conteúdo. Nossas pesquisas precisam incluir questões políticas, ideológicas, sociais e econômicas, elucidar como a desinformação pode ser analisada a partir da participação criativa de múltiplos atores - políticos, sociais ou agências de comunicação digital falsas - para espalhar intensamente as mentiras com o objetivo de poluir o ambiente informacional e identificar as táticas de coordenação dessas ações. No entanto, a desinformação ou a ordem desinformacional, que pode separar erros de apurações de informações falsas criadas intencionalmente para fins de enganar a audiência, além de informações corretas instrumentalizadas para produzir danos, "são reverberadas e multiplicadas também pelas chamadas mídias tradicionais ou grandes mídias".
Lúcia Souto concordou com Marcelo e acrescentou uma perspectiva necessária que deve moldar a observação de pesquisadores no geral, mas em especial os de comunicação e informação em saúde: "É urgente e necessário pensarmos nosso passado, principalmente o recente, e enxergarmos os usos e as estratégias do neoliberalismo, que também são estratégias e táticas de extermínio. O neoliberalismo não tem compatibilidade com a democracia. Por isso, é fundamental pensarmos a comunicação, a saúde e as políticas públicas sob essa perspectiva para enfrentarmos a crise ambiental, a fome, a miséria...". Para Lúcia, a observação dos atos do dia 8 de janeiro de 2023 pode nos possibilitar reflexões sobre o contexto que vivemos: "O Brasil precisa enfrentar o que ocorreu - a destruição financiada dos ícones da democracia. A necropolítica nos mostra que a polarização não mais explica o fenômeno que introjeta o individualismo exarcebado e impede a convivência com a diferença. É um projeto radical e ditatorial. Enquanto não enfrentarmos nosso passado e esta característica de nossa cultura, sofreremos diferentes e diversos golpes".
No entanto, Lúcia Souto é otimista. Mesmo com o enorme investimento financeiro e midiático na comunicação e na política, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito e a população se vacinou: "Talvez, tenhamos resistido porque, na saúde, houve, a partir dos anos 1980, a construção de uma política pública que tem em seu DNA a democracia participativa. Isso mostra que é possível vencer essa máquina, abrir frestas. Temos que pensar agora em como mantê-las abertas. É preciso refundar nosso país em novas bases, construir novas agendas, sem esquecer o passado". Para ela, é necessário ocupar espaços e ruas, promover ações conscientes, crítica e ordenadamente e, no caminho, aproveitar para fazer história, tendo como base a luta por distribuição de renda e de poder.
José Noronha ressalta que, nesse percurso, diante do que Marcelo e Lúcia expuseram, é fundamental pensarmos nas dimensões e nos critérios da "verdade", em como o conceito de verdade é construído - quais as instâncias de poder, de conhecimento, de racionalidades que abrigam conceitos e, consequentemente, pesquisas e ações na academia e no mundo.
O debate entre docentes, discentes e pesquisadores envolveu inúmeras dúvidas, propostas e reflexões que o presente nos impõe para pensarmos fenômenos, dados e conceitos não apenas como premissas aceitas pela academia, mas como problema a serem investigados. Na troca de perguntas e respostas, Lúcia Souto, Marcelo Alves e José Noronha falaram sobre o fato de questões acumuladas na área da saúde e da comunicação nos fornecerem consciência crítica e defesa da preservação da vida para pensarmos as dimensões diversas e plurais que envolvem a construção, a aceitação e o compartilhamento de fake news e de desinformação. Como salientou Marcelo, a criação e o espalhamento de notícias falsas é uma atividade coletiva que envolve a participação de diversos atores, possui estratégia e objetivos bem definidos e é executada no longo prazo. Ocupam espaços e vácuos políticos, econômicos e sociais e/ou se utilizam de práticas antigas.
Igor Sacramento, coordenador do PPGICS, acrescentou que o Programa é um dos melhores locais para pensar e produzir pesquisas e práticas de compreensão e de enfrentamento: "Como Lúcia Souto disse, precisamos recuperar a noção de futuro e transbordar situações insurrecionais".
Lúcia Souto é médica sanitarista e pesquisadora do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). Graduada em medicina pela UFRJ, é especialista em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Coletiva pela UFRJ e doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz. É presidenta do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes).
Marcelo Alves é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da pós-graduação em Comunicação. Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre pela mesma instituição. Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Mídia, Tecnologia e Dados, é pesquisador associado do Laboratório de Mídia, Democracia e Instituições Políticas (Lamide/UFF) e do Grupo de Pesquisa em Política, Opinião Pública e Comunicação (Gruppocom/UFC). Pesquisa temas na interface entre comunicação, cultura digital e política, investigando problemas como plataformização, datificação, analytics, desinformação e polarização.
Para assistir a mesa integralmente e se aprofundar ainda mais no debate sobre "Os impactos da desinformação na saúde pública", acesse o link: https://youtube.com/live/l8GgeBNPrh0?feature=share
Amanhã, a Semana de Abertura 2023 contará com a participação de Maria Nélida Gómez (UFF) e Fábio Reis Mota (UFF), mediados por Bruna Fonseca(PPGICS), na mesa "Ética em pesquisa consolidação da democracia".
Para saber a programação completa da semana de Abertura PPGICS 2023, clique aqui.