A tese Quem consome fake news consome fake news? Os usos e sentidos atribuídos à ciência e ao jornalismo em canais sobre covid-19 no Telegram, de Ana Carolina Pontalti Monari, é a vencedora do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses 2024 na categoria Ciências Humanas e Sociais. Orientada por Igor Sacramento e co-orientada por Hully Falcão, a tese investiga os discursos sobre ciência e saúde que circularam durante e após a pandemia de covid-19 em canais de informação sobre o tema no Telegram. Sua pesquisa envolveu a participação em canais antivacinação e anticiência, identificando escolhas e usos de fontes e meios de informação sobre ciência e saúde pelos usuários da plataforma, além de analisar a forma como eles se relacionam com esse tipo de conteúdo e investigar os processos de circulação e consumo da desinformação científica sobre saúde.
Em seu resumo, Ana Carolina ressalta que seu “estudo sustenta a tese de que não há uma desconfiança generalizada no jornalismo e na ciência, mas uma mudança na lógica de consumo de informações no século XXI: o conteúdo sobre ciência e saúde deixou de ser apenas transmitido pelas instituições e pelos meios de comunicação considerados tradicionais e ganhou novos formatos e opções de acesso (graças à internet e às redes sociais digitais), que nem sempre têm o compromisso com a produção e a transmissão de uma informação precisa e de qualidade”.
Ao longo de da tese, ela aponta o surgimento de, nesta nova lógica, outra forma de produção de conhecimento/verdade, pautada pela cisma e pela manutenção e reforço das crenças pessoais. Diferentemente de outros trabalhos realizados no Brasil sobre o tema, que focam sua atenção na produção de textos e na checagem de fatos, ela toma como base a teoria das mediações de Martín-Barbero e a perspectiva antropológica para analisar os usuários dos canais sobre covid-19 no Telegram, utilizando a moldura do olhar etnográfico para descrever e interpretar os atores sociais, suas instituições, seus comportamentos interpessoais, suas produções materiais e suas crenças.
Ana Monari recebeu a notícia do prêmio ontem, assim que a relação foi divulgada: "Além de ser uma honra e uma alegria ser premiada, é um importante reconhecimento do meu trabalho, que foi desenvolvido ao longo de quatro anos no PPGICS e que contemplou diversos desafios, como a própria pandemia de covid-19 e a inserção em campos online de difícil acesso. A tese não só me proporcionou novos conhecimentos sobre o campo da Comunicação e Saúde e a temática da desinformação, como também o encontro com outras realidades, outras racionalidades e outros modos de ver o mundo. Espero que todos esses encontros possam oferecer contribuições para os nossos pesquisadores e pesquisadoras”.
Além das aulas no PPGICS, a pesquisadora ultrapassou fronteiras, contemplada, em 2022/2023, com a bolsa de Doutorado Sanduíche no Exterior do Programa Institucional de Internacionalização da Capes – Capes/PrInt-Fiocruz e embarcou para Austrália. Em busca de novos horizontes e bibliografias sobre o tema, foi supervisionada pela professora Deborah Lupton, da University of New South Wales (UNSW), em Sidney. O nome de Debora Lupton foi consenso entre orientanda e orientador, por ser uma importante pesquisadora no campo da Comunicação e Saúde, com mais de 240 trabalhos na área e uma extensa trajetória de pesquisa que compreende as áreas da sociologia, mídia e estudos culturais: “Lupton é responsável, por exemplo, pela apresentação dos alicerces da sociologia digital, que tem como uma de suas preocupações, justamente, a análise sociológica dos usos das mídias sociais, buscando pesquisar os impactos das mídias e redes sociais digitais para o comportamento dos atores sociais. Em seus estudos mais recentes, ela demonstrou como as experiências e os sentimentos pessoais dos indivíduos, bem como fatores sociais, culturais, tecnológicos e políticos, são importantes para moldar o conhecimento, o interesse e a aceitação das pessoas sobre determinados dispositivos de saúde”, ressalta Ana Carolina.
A experiência a ajudou a reforçar a importância e o desejo de pesquisar e, sob diferentes perspectivas, responder à pergunta: por que as pessoas acreditam ou não em fake news?: “Antes de buscarmos soluções para o problema da desinformação e das fake news, é preciso conhecer as razões que levam as pessoas a produzirem, consumirem e fazerem circular esse tipo de conteúdo nas redes sociais digitais. Para isso, defendo que é necessário identificar e refletir sobre os sistemas de crenças e os usos que as pessoas fazem das plataformas”.
O Prêmio como reconhecimento
O resultado e o reconhecimento da pesquisa estão na tese, agora premiada. Ana Carolina Monari, neste ponto, diz que tem muito a agradecer pelo trabalho coletivo: “Gostaria de fazer um agradecimento especial ao meu orientador, professor Igor Sacramento, que me conduziu ao longo de todo esse processo, que me ensinou muitas coisas e me deu todo o apoio e suporte para que eu pudesse conduzir esse trabalho. Quero agradecer também à minha co-orientadora, a professora Hully Falcão, que se juntou à nossa dupla e contribuiu para que esse trabalho chegasse até aqui”.
Para Igor Sacramento, a alegria do encontro e do trabalho conjunto merece também ser registrado por mostrar a importância do empenho e da confiança tecidos durante o percursso de elaboração da tese para um resultado de excelência: “Ana Carolina Monari é uma aluna que anima, que revigora, que fortalece o desejo pela docência. Num contexto em que aumentos relatos de docentes sobre a falta de interesse e de leitura de estudos de pós-graduação, ela esteve sempre na contramão: sua sede por conhecimento a fazia ouvir, seguir caminhos, dialogar sobre as teorias e metodologias, ser flexível e reflexiva o suficiente para desenvolver uma pesquisa difícil, num campo contestado, evolvendo membros de grupos e canais antivacinação, e também anticiência e antijornalismo. Nos limites da relativização, conectando comunicação, saúde coletiva, antropologia e estudos sociais da ciência, mais do que compreender e entender os membros de tais grupos e canais, Ana Carolina nos brinda como uma análise sobre a sociedade na qual vivemos, em que experiência, vínculo comunitário narcisista, afetividade, cisma, individualismo e ódio parecem definir o regime de verdade contemporâneo”.
Hully Falcão também ressalta a importância da troca, da escuta e dos bons encontros na academia para produção do conhecimento: "Fiquei extremamente feliz com a notícia da premiação, um reconhecimento importante para o trabalho de Ana Carolina Monari, que agora se consagra como uma exímia, criativa e dedicada pesquisadora, sempre curiosa e aberta ao diálogo, além de empreender uma atitude corajosa, pois se aventurar por campos tão pantanosos não é algo fácil e simples"
Para Hully, parte dessa felicidade foi se desenvolvendo ao longo dos quatro anos com a aprendizagem se tecendo dos dois lados e com o amadurecimento do trabalho de Ana Monari: "Sua tese mostra, de maneira aprofundada, como se constroem práticas e discursos antivacina em grupos do Telegram. Ao utilizar o arcabouço teórico-metodológico da Antropologia, dedicando-se à etnografia, atrelando à Comunicação e Saúde, conseguiu desvelar dimensões importantes de como se processam as escolhas, as negações e os usos e sentidos da ciência. Ela mostra que não há necessariamente uma negação da ciência, mas há uma seleção arguta sobre o que acreditar, qual conhecimento científico acionar e em que espaços buscar informações". Hully Falcão ainda destaca que, durante a leitura da tese, percebemos a confiança como um aspecto importante, no estabelecimento de vínculos de proximidade construídos no interior dos grupos pesquisados que têm o papel de produzir legitimidade e verdade ao que é publicado e compartilhado, além do desenvolvimento de práticas de cuidado, relações e trocas sobre religião e gênero: "Aqueles que desejam entender como se processa atualmente a dinâmica entre ciência, verdade e emoção, convido a lerem a tese de Ana Carolina Monari, tão bem escrita, profunda e inspiradora".
O Prêmio Oswaldo Cruz de Teses
O Prêmio Oswaldo Cruz de Teses, uma iniciativa coordenada pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC), está em sua oitava edição. Visa distinguir teses de elevado valor para o avanço do campo da saúde em diversas áreas temáticas de atuação da Fundação Oswaldo Cruz.
Podem concorrer doutores e doutoras cujas teses tenham sido defendidas entre os meses de maio do ano anterior e abril do ano da Chamada nos cursos da Fiocruz e de cursos nos quais a Fiocruz participa de forma compartilhada e que sejam registrados na Coordenação Geral de Educação (CGE). Este ano, quatro áreas foram estabelecidas para premiação: Ciências Biológicas Aplicadas e Biomedicina; Medicina; Saúde Coletiva; Ciências Humanas e Sociais. A comissão julgadora é formada por membros externos à Ficoruz.
Na categoria Ciências Humanas e Sociais, o resultado foi:
Premiada:
Quem consome fake news consome fake news? Os usos e sentidos atribuídos à ciência e ao jornalismo em canais sobre covid-19 no Telegram (ICICT/PPGICS)
Ana Carolina Pontalti Monari Premiada, com orientação de Igor Pinto Sacramento e co-orientação de Hully Guedes Falcão
Menção honrosa:
Radioisótopos, Ciências da Vida e Ecologia no Brasil (1949-2007) COC/HC
Jorge Tibilletti de Lara Menção Honrosa, com orientação de André Felipe Cândido da Silva
O trânsito entre armários: encontros entre ativismo, HIV e Arte no Brasil (IFF/SCM)
Salvador Pereira Campos Corrêa Júnior, com orientação de Marcos Antonio Ferreira do Nascimento
Como consta na Chamada Pública, cada premiado receberá um certificado e o apoio de até R$ 7.500,00, que poderá ser utilizado para deslocamento, inscrição e estadia em eventos presenciais; inscrição em evento remoto; publicações de artigos em revistas especializadas/traduções de artigos (obrigatoriamente em revista de acesso aberto e Qualis B2 ou superior na respectiva área de avaliação do PPG de origem na Capes); em cursos presenciais ou à distância e compra de livros acadêmicos.
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