Como as experiências em relação a territórios, gênero, raça e classe, dentro e fora da academia, impactam o trabalho científico? Em que medida as experiências de mundo e as experiências acadêmicas se tocam? Essas foram algumas questões debatidas no segundo dia da 5ª Jornada Discente do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict/Fiocruz), que se destacou pela reflexão sobre as vivências que permeiam a pesquisa científica a partir do tema desta edição: “Pesquisas, pesquisadores e participantes: vivências do trabalho científico.
O evento reuniu acadêmicos, pesquisadoras, pesquisadores e profissionais da área de Informação, Comunicação e Saúde para compartilhar histórias sobre as próprias jornadas, que moldaram suas abordagens metodológicas, levando a uma compreensão mais rica e contextualizada dos desafios enfrentados em suas investigações. Essa troca revelou a importância de considerar os aspectos subjetivos e emocionais envolvidos em toda pesquisa científica.
Com o objetivo de discutir sobre a mobilização de existências e resistências individuais e coletivas, a mesa “Pesquisadoras(es), experiências e interseccionalidades: um debate entre territórios, gênero, raça e classe” ocorreu pela manhã, com mediação de Jaçanã Lima Bouças, mestranda do PPGICS, e se propôs a pensar sobre os desafios e as oportunidades, as barreiras e os acolhimentos no fazer acadêmico, discutindo sobre o direito ao acesso e permanência nos espaços científicos/institucionais a partir da presença e da ausência.
Para a docente do PPGICS e pesquisadora Irene Kalil, é necessário que o pesquisador se situe como sujeito no processo da pesquisa: “Quando a gente trabalha com o objeto que nos atravessa, assumir esse lugar é fundamental. Isso é honestidade acadêmica para a gente e para os participantes de pesquisa. No entanto, também é importante desnaturalizar o olhar”. Irene destaca ainda os modos pelos quais sua trajetória acadêmica foi tocada por sua vida pessoal: “Quando comecei meu projeto de doutorado, falava sobre desmame. A amamentação já era o lugar dado porque eu já vinha com todos os discursos de aleitamento naturalizados. Todo mundo tem um conhecimento prévio, principalmente, quando é sobre algo que nos atravessa. Por isso, é importante manter o olhar crítico”, comenta a professora.
Perspectiva semelhante foi apresentada pela psicóloga e professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp / Fiocruz)), Jaqueline Gomes de Jesus, ao compartilhar sua trajetória na educação e a conexão com as áreas de militância LGBTQIAPN+. “Percebi que as pessoas não tinham conhecimento sobre gênero e sexualidade. Depois disso, comecei a pesquisar sobre cidadania a partir da ótica psicossocial. Assim, passei a trabalhar com temas que tocam em questões de extrema importância, como o desafio da convivência no rastro das políticas sociais que envolvem a diversidade”, ressalta Jaqueline.
Outro destaque da mesa foi a participação do pesquisador Phillippe Sendas, doutorando na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Amazonense, nascido e criado em Belém do Pará, Phillippe ressalta a importância de não apenas atravessar, mas também de ocupar um lugar central no debate sobre territórios, compreendendo a comunicação oral e a transmissão de saberes para os descendentes e as novas gerações, como espaços de produção de narrativas. “São espaços de vínculos em práticas comunicantes, com memória, linguagem e performance próprias”, destaca o pesquisador.
À tarde, o segundo dia da Jornada também contou com um espaço de compartilhamento de experiências dos pesquisadores sobre o campo da pesquisa. Foi o que propôs a mesa 3, “Vivências dos pesquisadores em campo nas relações com participantes de pesquisa científica em Saúde”, mediada por Bruna Martins de Oliveira, doutoranda do PPGICS, ao discutir sobre as expectativas comuns que os participantes, geralmente, possuem ao se envolverem em pesquisas científicas de campo, tais como consentimento, confidencialidade e anonimato, respeito e bem-estar, resultados, feedback da pesquisa, aproximações, desafios e limitações sobre possíveis intervenções na realidade desses grupos.
Para Bruna Dantas Ribeiro, egressa do PPGICS, a pesquisa de campo foi necessária para ampliar seu tema de pesquisa. “Eu pesquisava sobre saúde mental desde a graduação, porém, a pesquisa se sustentava mais em analisar a produção de conteúdo sobre o tema, mas não em pessoas que viviam no seu dia a dia esse tema”, destaca Bruna, ressaltando a importância da experiência da pesquisa de campo nos estudos de Comunicação e Saúde.
Paulo Roberto Borges de Souza Junior, professor do PPGICS e pesquisador com foco nos estudos de inquéritos, concordou com Bruna e ressaltou que 90% das suas pesquisas são de campo. “Além de ser uma experiência incrível do ponto de vista pessoal, se sobressaindo mais que o profissional, a pesquisa de campo aborda a dimensão do auxílio na interpretação dos resultados. A pesquisa de campo também proporciona uma visão mais ampla da realidade do Brasil, que apresenta grande diversidade entre regiões, e se apresenta como elemento de destaque na pesquisa prática”, destaca Paulo Roberto.
Dentre as vivências pessoais na pesquisa de campo, Ana Carolina Gonzalez, egressa do PPGICS, que também compôs a mesa, cita que o conhecimento só acontece por meio da troca de experiências entre pesquisador e comunidade. Além disso, Ana Carolina compartilhou sua experiência no estágio sanduíche na University of Exeter (Reino Unido) pelo Programa Capes/Print Fiocruz (2021), destacando a relevância do contato com outra cultura, que permitiu uma espécie de mergulho em cursos sobre escrita acadêmica que potencializaram sua formação geral como pesquisadora.
Fotos: Daniel Lyra