Partindo do grave período de emergência sanitária deflagrada pela pandemia de COVID-19 em março de 2020, questionamos por que as mulheres, no momento tão complicado da pandemia, colocavam o medo de engordar em relevância semelhante aos cuidados sanitários que a COVID-19 exigiria? Por que a imagem do corpo feminino era assunto tão presente nas redes sociais digitais com memes relacionados com a gordura, a obesidade e a beleza? A profusão de conteúdos gordofóbicos e de pressão estética presentes no Instagram nos levou à observação e posterior análise de três postagens de cada um dos perfis @movimentocorpolivre e @malujimenez_ que questionam o controle do corpo feminino por meio da abordagem da pressão estética e da luta antigordofobia respectivamente. Considerando a hipótese de que o discurso da autoaceitação corporal e da gordofobia representa uma versão contemporânea do controle do corpo feminino, buscamos as construções de sentidos sobre gordura, obesidade, beleza e corpo feminino nas representações do corpo feminino presentes nos discursos médicos em teses médicas publicadas nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro entre meados do século XIX e início do XX e nos discursos midiáticos da revista Fon-Fon, que circulou na primeira metade do século XX, bem como suas atualizações nas construções narrativas nas redes sociais digitais do século XXI por meio da circularidade cultural atravessada pelos tempos cobertos. Dessa forma identificamos nas teses médicas que as representações do corpo feminino são correlacionadas com as comportamentais, além do protagonismo do papel da mulher-mãe e da maternidade como o ápice da beleza feminina. Nas texturas midiáticas da revista Fon-Fon verificamos o reforço da narrativa da beleza como contrapartidas de feminilidade e uma aproximação com a interlocutora/leitora do semanário. Nessas texturas as representações presentes remetem ao protagonismo da mulher-bela. Por meio da circularidade cultural constatamos que as contruções enunciativas selecionadas nas teses médicas e na revista Fon-Fon ora afastam-se e ora aproximam-se das extraídas das postagens dos perfis @movimentocorpolivre e @malujimenez_ sustentando a plausibilidade de nossas hipóteses de que o discurso da autoaceitação corporal e da gordofobia representam uma versão contemporânea da tentativa de controle do corpo feminino. Por fim, em diálogo com campo no qual essa pesquisa encontra-se circunscrita, a mulher, do ponto de vista da comunicação e da informação, era objeto de quem se falava no discurso médico-científico, quanto ao midiático da revista Fon-Fon a mulher é a suculenta com quem se fala. E em nosso tempo, pelo menos nos perfis do @malujimenez_ e @movimentocorpolivre a mulher fala por si, por e para outras mulheres, considerando que “lugar de fala” é atravessado pela ideologia, pelo imaginário e por representações que habitam em nós.
GALDENCIO, Roberta Cristina Barboza. Comunicação e informação no contexto da emancipação feminina? A obesidade e a circulação de sentidos do ativismo gordo e Body Positive. 2023. 345f. Tese (Doutorado em Informação e Comunicação em Saúde) - Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2023.