Dos silêncios do luto à comunicação: um olhar sobre a exposição do sofrimento de mães que perderam os filhos

O sofrimento apresenta grande visibilidade na esfera pública contemporânea, especialmente pela emergência de novos espaços de comunicabilidade, como a Internet, e pelo surgimento de uma nova economia moral das emoções, que confere autenticidade aos sofreres e favorece a proliferação de narrativas autobiográficas de cunho testemunhal. Recorrentemente estudado na perspectiva psíquica, faz-se igualmente necessário abordar o sofrimento a partir de um viés social, compreendendo, assim, as condições que o permeiam na sociedade e que estão diretamente relacionadas aos seus modos de expressão e de percepção. Nesse sentido, ele é apreendido na presente pesquisa como uma categoria social, seguindo uma abordagem socioantropológica que se debruça sobre os sentidos sociais das emoções. O sofrimento do qual se trata aqui é o relacionado à perda de um ente querido e, desse modo, a questão da morte torna-se central para as problematizações, sendo baseadas, nesse sentido, nos trabalhos clássicos do historiador Philippe Ariès, do sociólogo Norbert Elias e do antropólogo Marcel Mauss, bem como de autores contemporâneos que se dedicaram ao tema. O objeto de estudo são mães que perderam filhos e expõem sua dor no espaço público, através da criação de blogs, páginas no Facebook, de livros e da articulação de movimentos em torno da reivindicação por justiça. Foram realizadas 13 entrevistas com base em roteiros semiestruturados, conduzidas a partir de um olhar etnográfico, sendo 6 com mães que se enquadram nessas características, seis com seus amigos e familiares e uma com um pai que participou, junto com sua falecida esposa, da criação de um movimento após a perda da filha. Falar sobre a perda de um filho é adentrar em uma narrativa de dor que remete ao passado, mas sempre com o olhar do presente e, por isso, a memória também é discutida O objetivo do trabalho foi compreender como que o sofrimento é construído pelos próprios atores sofredores e, para isso, algumas questões ajudaram a compreender como o sofrimento é construído e visibilizado. Indagou-se, então, a respeito do tipo de morte que estava em jogo, das figuras da vítima e do sofredor, dos espaços de comunicação da dor, das estratégias utilizadas para com ela lidar e de outras possíveis emoções a que o sofrimento se articulava. Os resultados apontaram para diferentes formas de lidar com a dor: medicalização, religiosidade, luta política, formação de redes de apoio e publicização do sofrimento. Todas as perdas narradas diziam respeito a mortes trágicas, devido ao ser caráter inesperado, e quase todas eram não acidentais, apesar do uso da palavra \201Cacidente\201D para designar algumas delas. As perdas implicaram em rupturas biográficas para essas mães, bem como em reconfiguração de suas identidades. As formas de a sociedade lidar com as mães também se alteraram, sendo que, em alguns casos, identificamos a presença da categoria \201Cestigma\201D, embora de forma ambígua. Na construção dessas memórias de dor, as figuras das vítimas eram, de modo geral, os filhos, ao passo que as mães ocupavam o lugar de sofredoras. Percebemos também a existência de responsáveis pelas mortes. Por fim, a visibilidade era frequentemente uma estratégia de luta política.

Orientador
Katia Lerner
Autor
Aline Ferreira de Faria
Citação

FARIA, Aline Ferreira de. Dos silêncios do luto à comunicação: um olhar sobre a exposição do sofrimento de mães que perderam os filhos. 2017. 193 f. Dissertação (Mestrado em Informação e Comunicação em Saúde) - Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017.

Ano
2017
Palavras-chave
Sofrimento
Morte
Maternidade
Memória
Comunicação
Banca (Integrantes PPGICS)
Inesita Soares de Araujo
Janine Miranda Cardoso
Katia Lerner
Banca (Integrantes Externos)
Rachel Aisengart Menezes
José Reginaldo Santos Gonçalves
Tipo de documento
Dissertação