Esse trabalho é fruto de um esforço coletivo para mapear e analisar os processos interculturais de comunicação (produção, circulação e apropriação) das políticas públicas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal. Partindo de um arranjo epistemológico-teórico-metodológico híbrido e multirreferencial entre os estudos anticoloniais, pela via das Epistemologias do Sul (Santos, 2016) e os Estudos Culturais e Estudos Semiológicos, pela via do modelo da Comunicação como Mercado Simbólico (Araujo, 2002), organizamos nossas reflexões tendo como eixos as desigualdades sociais e as mediações em torno dos processos de apropriação de tais políticas por parte das pessoas ciganas. Trata-se de uma pesquisa dialógica, realizada no campo da Comunicação e Saúde (C&S), cujo principal objetivo se pautou por analisar \2013 e, comprovamos que \2013 se as violências físicas e simbólicas, expressas pelas políticas persecutórias e racistas, respectivamente, aplicadas historicamente pelos Estados brasileiro e português contra as pessoas ciganas, o que deixou um rastro de pobreza e exclusão, impactam nas condições e situações de vida e saúde dessas comunidades. A aplicação das Epistemologias do Sul e seus procedimentos como as sociologias das ausências e das emergências e as ecologias dos saberes e dos reconhecimentos, nos possibilitou a construção de um saber compartilhado junto ao movimento político cigano, valorizando as suas vozes, olhares e saberes, que foram silenciados ou invisibilizados pelas sociedades ocidentais e a ciência hegemônica, comprovando que mantêm uma sofisticada filosofia de vida, que estrutura um sistema de ação e organização sociocultural, lhes permitindo resistir às opressões e dominações do capitalismo e do colonialismo Já as categorias trazidas pelo mercado simbólico e sua matriz de mediações, nos permitiu mapear os principais interlocutores, suas comunidades discursivas, instâncias, campos, seus fatores e fontes de mediação, revelando contextos da elaboração, circulação e apropriação da saúde cigana nos dois países. Para dar consistência e horizontalidade entre as vozes ciganas que participaram da pesquisa de campo, as vozes teóricas e acadêmicas e às vozes oficiais estatais, que já têm alto poder de interlocução, colocamos em prática uma metodologia experimental, baseada numa matriz fílmica intercultural e semiológica, aos moldes antropológicos compartilhados de Jean Rouch, mas hibridizada com elementos das três matrizes mencionadas. Entre os conceitos aportados, destacam-se: a provocação (Rouch), a negociação (Rouch, 1975, Rouch e Ribeiro, 2007), o lugar de interlocução (Araujo, 2002), a tradução intercultural e tradução interpolítica (Santos, 2007 e 2017) e a criação (Rouch). Esse entrelaçamento mostrou-se viável tanto como possibilidade de mapeamento do fluxo comunicacional e simbólico, como de produção de um conhecimento com as pessoas ciganas e não sobre elas, o que fez toda diferença Como resultados, comprovamos a pertinência do conceito de Tradução para a produção de um conhecimento crítico na área da comunicação e saúde, visto que, entre as inovações do nosso trabalho está a concretização do início de um intercâmbio de saberes entre os movimentos políticos ciganos brasileiro e português. Esse arranjo proporcionou de fato, uma intervenção na realidade estudada, denunciando ausências e negligências na saúde cigana, além de fazer emergir questões como: contextos e temas comuns, diferenças, demandas e lutas por igualdade racial e inclusão comunicacional na saúde. Mas, a comunicação só será emancipatória, transformadora das injustiças sociais e propulsora da cidadania a se trouxer a possibilidade do exercício do direito à comunicação, que converte o ator social em ator político, para agir e transformar o mundo.
SILVA JÚNIOR, Aluízio de Azevedo. Produção social dos sentidos em processos interculturais de comunicação e saúde: a apropriação das políticas públicas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal. 2018. 504 f. Tese (Doutorado em Informação e Comunicação em Saúde)-Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018.