Saúde, mecanismos e estratégias para reduzir danos provocados por desastres

“Desastre natural é um evento climático ou meteorológico extremo que resulta em uma séria interrupção no funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, afetando seu cotidiano. Essa paralisação abrupta envolve, simultaneamente, perdas materiais e econômicas, assim como danos ao ambiente e à saúde das populações por meio de agravos (aumento da intensidade ou gravidade de um mal, de doença ou sintoma) de doenças que podem causar mortes imediatas e posteriores. Uma ocorrência do gênero torna o grupo afetado incapaz de lidar com a situação utilizando os próprios recursos, o que pode ampliar os prejuízos para além do lugar de sua eclosão.”

Com essa definição, Christovam Barcellos abriu a mesa “Desastres climáticos, saúde e desafios à cidadania”, parte da programação do terceiro dia da Semana de Abertura PPGICS 2024. O trecho foi tirado do livro Mudanças climáticas, desastres e saúde, do qual Christovam é um dos organizadores, ao lado de Eliane Lima e Silva e Carlos Corlavan. O livro venceu o Prêmio da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu) em 2023, na categoria Ciências da Vida, e foi o principal responsável pelo tema proposto para o debate, que contou com a participação de Eliane Lima e Silva (UnB), Renata Gracie (PPGICS) e Everton Pereira da Silva (Redes de Desenvolvimento da Maré). 

Eliane Silva, geógrafa, foi a primeira a falar. Apresentou o livro e a importância de conhecer histórias de desastres para que possamos aprender a lidar com eles – prevenir, evitar e minimizar suas consequências: “Aspecto importante é o crescimento da geografia da saúde e sua relação com eventos e desastres, além do trabalho que envolve redução de impactos, intervindo nas vulnerabilidades, mesmo que a saúde sofra as consequências sem ser a protagonista. O livro aborda essa perspectiva – como compreender melhor as relações entre as intensas mudanças climáticas, aspectos ambientais e os riscos à saúde humana”.

Composta por 12 capítulos, a publicação reúne cerca de 30 especialistas das mais diversas áreas, que nos fazem conhecer casos de desastres – secas, inundações, deslizamentos de terra – que afetam direta ou indiretamente a população. São impactos como mortes e perdas materiais, mas também relacionados a questões estruturais de habitação, saneamento, organização social e política local, geologia, característica do território.

Ao apresentar os capítulos e suas propostas, Eliane mostrou que o livro pretende contribuir com estratégias para aumentar a resiliência do setor Saúde e das comunidades em face das mudanças ambientais e climáticas, que interagem entre si, e seus impactos, abordando como a complexa relação entre saúde e ambiente vem sendo cada vez mais discutida.

Renata Gracie, pesquisadora do Observatório de Clima e Saúde (Icict/Fiocruz) e uma das autoras do livro, apresentou as pesquisas desenvolvidas pelo laboratório, que tem como proposta reunir e compartilhar informações, tecnologias e conhecimentos para o desenvolvimento de redes de pesquisadores e estudos que avaliem os impactos das mudanças ambientais e climáticas na saúde da população brasileira e que orientem o serviço e o planejamento de políticas públicas nessa área.

Apontando a produção de dados e de informação, incluindo trabalhos feitos por Rafael Saldanha, ex-aluno do PPGICS, Renata destacou que a mudança global é sentida localmente e que se pode verificar os impactos analisando situação de saúde: “Por exemplo, internações de leptospirose que aumentam com as inundações; maior mortalidade por calor em pessoas com baixa escolaridade, pretas e pardas”. 

Apesar de avanços na saúde e do aumento na expectativa de vida no Brasil, Renata apresentou pesquisas e estudos que apontam efeitos negativos provocados por desequilíbrios ambientais e afetam direta e indiretamente a saúde humana. Nacionalmente, os desastres de origem climática que mais se destacam têm origem em processos hidrológicos – chuvas intensas, inundações bruscas, deslizamentos de terra relacionados às chuvas e inundações graduais – e climatológicos – secas, estiagens e crises hídricas.

Isso explicita a amplitude do conceito de saúde e demonstra a interligação de fatores nas variáveis de dados socioeconômicos e ambientais que exacerbam vulnerabilidades. Nesse sentido, a importância do trabalho da sociedade civil no levantamento de dados e geração cidadã de dados auxilia na reivindicação por implantação de políticas públicas.

Essa foi a principal pauta da fala de Everton e mostra a potência do debate que deve envolver a tríade academia, organizações sociais e poder público. Responsável pelo projeto Conexão Saúde – de olho na Covid, que ofereceu entre junho de 2020 e março de 2022, apoio para moradores da Maré e de Manguinhos para enfrentamento da pandemia de covid-19, Everton apresentou o trabalho da Redes da Maré, uma organização da sociedade civil que nasceu da mobilização comunitária a partir dos anos 80, nas favelas da Maré. Formalizada em 2007, articula a formação de redes para concretizar os direitos da população do conjunto de 16 favelas da Maré, onde residem mais de 140 mil pessoas.

A organização trabalha com cinco eixos estruturantes e, hoje, o trabalho de Everton se concentra nos direitos urbanos e socioambientais que, assim como os demais, se concentra no diagnóstico e na produção de dados e de conhecimento, na mobilização de moradores, na articulação de redes e parcerias, na prática e na ação, por meio de laboratórios de experimentação e criação de experiências inovadoras, que fortalecem a incidência em políticas públicas e o protagonismo da população local. “Nossa proposta não é e nunca foi substituir o Estado, mas provocar o desenvolvimento de ações de inclusão e diminuição de vulnerabilidades”.

Atualmente, trabalha com a testagem e a geração de dados sobre a qualidade do ar, do clima e de ilhas de calor na Maré: “A proposta é mapearmos o território em suas especificidades. Por exemplo, uma das poucas áreas verdes nas comunidades, no teste, apontou uma qualidade de ar ruim. No entanto, o contexto envolvia o hábito dos moradores em queimar lixo no local. Logo, o trabalho para transformação ambiental é diferente para cada parte, cada contexto e precisa tratar e conhecer das especificidades para promover a transformação”.

Em sua fala, ele contou que o trabalho de escuta, pesquisa e mapeamento tem oferecido libertação de paradigmas e modelos: “Hoje, queremos melhorar a qualidade de vida no geral sem transformar a Maré em um novo Leblon, por exemplo. Podemos ser muito melhores, porque temos outras expectativas de ocupação de nosso território”.

Christovam Barcellos encerrou corroborando a importância do debate realizado: “Durante muito tempo, o tema mudanças climáticas era restrito a discussões muito técnicas ou pauta apenas de países ricos, o que agravou a clivagem entre academia, governo e sociedade civil. Em nossa conversa hoje, a diferença de olhares e a seriedade de pesquisas para estruturar, em conjunto, ações necessárias para dirimir impactos negativos é o caminho”.

Renata Gracie complementou: “Nossa proposta não é propagar o pessimismo ou o otimismo absolutos, que dominam muitos debates sobre o tema, seja para impedir ações ou negá-las. Aqui, agora, estamos mostrando que sabemos que a situação é e está grave, mas temos esperança e possibilidades de mudar a realidade”.

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Mesa Desastres climáticos, saúde e desafios à cidadania
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Data de publicação
8 months 1 week atrás