Como compreender seu próprio papel como cientista na defesa do SUS? De que forma as produções científicas podem fortalecer esse papel? Perguntas como essas inspiraram as discussões trazidas por pesquisadoras que compuseram a primeira mesa de debate da 5ª Jornada Discente intitulada “Papel das pesquisas interdisciplinares no fortalecimento do SUS: desafios e contribuições”.
A mesa foi mediada por Lucas Brandão, mestrando do PPGICS, e contou com a participação de Izamara Bastos, professora do Programa e coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde (Laces); Renata Gracie, pesquisadora, professora do Programa e vice-coordenadora do Laboratório de Informações em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica, e Raquel Teixeira, bibliotecária, mestre em Informação e Comunicação em Saúde pelo PPGICS e especialista em Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
Comunicação em saúde, narrativas midiáticas e potenciais da interdisciplinaridade para fortalecimento do SUS
A professora Izamara iniciou o debate, destacando que, no lugar de pesquisadora com foco em comunicação, atuante em um programa interdisciplinar, não consegue imaginar o ato de fazer pesquisa sem ser uma construção coletiva. Nesse sentido, valorizou as possibilidades que o PPGICS oferece sob o olhar da interdisciplinaridade.
“A gente precisa reconhecer a diversidade no cenário para fazer nosso mergulho no projeto. As pesquisas interdisciplinares trazem muitas possibilidades, mas muitos desafios, pois quando a gente pensa em pesquisas interdisciplinares, também tem que pensar em metodologias que dão conta dessas pesquisas”.
Além disso, a docente também reforçou que a interdisciplinaridade é um ganho, demonstra muita complexidade, pois há interpretações ricas para a saúde coletiva. Ela exemplificou esse desafio contando sobre o processo de construção da sua tese de doutorado, intitulada “O SUS midiático: historicidades e sentidos sobre saúde pública no jornal O Globo (1988-2018)":
“Meu olhar é historiográfico, partindo das metodologias da história. Mas, na pesquisa, a comunicação foi meu olhar norteador e convoquei durante o processo uma conversa entre saúde e história. A articulação de várias disciplinas contribuem para a discussão e a análise interdisciplinar, por isso, eu coloco esses campos de saberes em diálogo”, ressalta Izamara.
Um dos destaques do trabalho da pesquisadora é o fato da docente ter elaborado o conceito “SUS midiático” com base no livro "O que é o SUS”, de Jairnilson Silva Paim (2015). Segundo Izamara, unir elementos do campo da história e da linguagem foram essenciais para construir este conceito e, desde então, ela defende a importância de avaliar as possibilidades metodológicas, no campo escolhido, afinal, "falar de SUS é também falar de política no Brasil”.
Acessibilidade geográfica no SUS, potencialidades e limitações das tecnologias de informação e comunicação no acesso à saúde
Logo após Izamara, a pesquisadora Renata Gracie compartilhou com os discentes suas experiências em relação ao uso de ferramentas de geoprocessamento, geografia da saúde, vigilância em saúde e desigualdades em saúde. Segundo ela, embora existam avanços importantes no uso das ferramentas, há muitos desafios que precisam ser considerados por pesquisadores, principalmente, nos estudos que envolvem as populações mais vulneráveis e impactadas pelas desigualdades e determinações sociais em saúde.
“Quando se fala na questão intermunicipal é ainda mais complicado, já que o acesso à informação se mostra bem complexo. Por isso, existe a necessidade em se comunicar cada vez mais com a sociedade civil e, para atingir tal caminho, alguns passos precisam ser dados. Neste sentido, o PPGICS assume um papel fundamental de divulgação científica em diálogo com a comunidade a partir do desenvolvimento de projetos que facilitem a veiculação entre território e produção de conhecimento”, enfatizou Renata.
A pesquisadora também reforçou a importância dos cientistas conhecerem o contexto geográfico na hora de construir um diagnóstico detalhado sobre as condições de saúde e doença de determinada população, destacando que o domínio sobre as geotecnologias se faz necessário “para que se tenha a contextualização das dinâmicas presentes no território, que afetam diretamente a saúde daqueles que o utilizam”.
Por fim, Renata fez conexões entre o investimento nas ferramentas que permitem mapear os problemas de saúde e a construção de políticas públicas.
“Se uma estrada apresenta imperfeições e ocorre aumento no número de acidente e mortes, são levantadas estatísticas e se torna saúde; se não há saneamento, há maior adoecimento das pessoas e isso afeta a saúde. Portanto, não é gasto, mas sim investimento quando se fala em políticas públicas de saúde”, concluiu.
“Assumo esse papel de ser catequizadora, de levar essa problemática sobre uma população que existe, a de mulheres lésbicas, e que sofre com políticas públicas não executadas”, diz a pesquisadora egressa do Programa".
O fechamento do primeiro dia de debates foi marcado pela apresentação de Raquel da Silva Teixeira, bibliotecária, especialista em Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e mestre em Informação e Comunicação em Saúde pelo PPGICS.
A egressa realizou, durante a pandemia, uma análise sobre o uso das produções científicas referentes à saúde de mulheres lésbicas a partir de métodos bibliométricos. O objetivo foi o de elencar novas diretrizes políticas para o fortalecimento do SUS relativas à saúde dessa população invisibilizada e constantemente vulnerabilizada no acesso à saúde.
Ao trazer essa discussão para a linha de Informação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, Raquel tocou num tema pouco discutido:
“Espero que mais temas como as relações homoafetivas sejam abrigados em instituições como a Fiocruz. Primeiro, pela posição que a Fiocruz ocupa dentro do SUS em relação às políticas públicas. A Fiocruz tem uma força científica e política que poucas instituições do país têm em contextos nacional e internacional. Assumo esse papel de ser catequizadora e levar a problemática sobre uma população que existe e que sofre com políticas públicas não executadas. Muito pouco se fala sobre saúde lésbica na comunidade científica. Meu trabalho, hoje, é levar esse tema aos meus pares, aos meus colegas e às pessoas do meu convívio para alertá-los que essa população existe, que ela é apagada e vulnerabilizada e precisa de cuidados específicos em saúde. Afinal, a pesquisa não morre quando a gente escreve”, contou Raquel.
Em relação à conexão entre informação, produção científica, mapeamento de problemas relacionados ao desconhecimento sobre o tema e impactos no atendimento à saúde das populações lésbica, a pesquisadora enfatizou a importância de mais pesquisadores do Icict contribuírem com esses debates:
“Me sinto feliz e privilegiada em poder estar aqui falando da minha pesquisa e desenvolvendo este embrião - porque ainda está no começo e é um recorte pequeno - de algo que pode expandir. Espero que o Icict e o PPGICS continuem trazendo pesquisadores para falar sobre essas temáticas, não só de saúde lésbica, mas também de Saúde LGBTQIAP+, por exemplo, que é um tema muito arenoso e pouco falado”, destaca a pesquisadora.
Por fim, Raquel trouxe considerações sobre a produção acadêmica e a atuação dos movimentos sociais frente aos desafios de fortalecimento do SUS e das políticas públicas.
“Quando a gente pensa no SUS, efetivamente o que vem à cabeça é o atendimento. É o posto de saúde. É o atendimento ginecológico e todos os preconceitos e violências que a gente sofre quando procura o atendimento. Então, minha perspectiva hoje, dentro e fora da academia, é pegar os resultados da pesquisa e traduzi-los de forma mais compreensível para o público leigo, trazer essas evidências para mostrar que a gente precisa olhar pra esse caminho também e até mesmo para a população lésbica possa enxergar o que está sendo dita sobre ela dentro da ciência. Grande parte do que temos de políticas públicas para a saúde da comunidade lésbica veio dos movimentos sociais”, concluiu.
Fotos: Daniel Lyra